Conheço um casal que não dá ponto sem nó, tudo bem que ele ganha os tubos como diretor de empresa do ramo siderúrgico, mas o casal sabe direitinho como aumentar o patrimônio, aqui em casa ganha-se bem menos e gasta-se de maneira bem diferente, dinheiro que sobra, quando sobra, vira jantar, livro, CD, vinho... Quando pinta um extra, viajamos. Fazer a tal poupança parece impossível, trocar de carro nem pensar, reformar a casa é sonho distante. O casal que conheço não leva vida totalmente sem graça, posto que o dinheiro por lá não é escasso como cá, mas a lista de prioridades é inversa da nossa, investimentos e bens vêm na frente, diversão depois. Foi assim que o casal comprou – para especular, não pra morar – apartamento num desses pombais de luxo construídos no paliteiro que se formou na área antes de proteção ambiental e que a corrupção na Câmara Municipal acabou entregando de bandeja aos especuladores imobiliários. O bairro tem o irônico nome de Belvedere e acabou com a vista da Serra que explica o nome de Belo Horizonte - o sucesso do paliteiro, aliás, alavancou nove novos empreendimentos verticais que acabarão definitivamente com as montanhas da vizinha Nova Lima, mas isso é assunto pra outra hora. O prédio em questão tem 80 minúsculos apartamentos de dois quartos e o pombal conta, claro, com os indefectíveis salão de festas, espaço gourmet, fitness, spa, piscina, solarium etc. etc. e três vagas para cada na garagem, num total de 240 automóveis entrando e saindo dia e noite. Nosso casal não pensava em morar em tal horror e acertou em cheio no investimento, o valor do apartamento comprado na planta é, hoje, cinco vezes maior. Ocorre que outro investimento fez a dupla vender o confortável apartamento de 4 quartos e se me mudar, temporariamente, para o espigão. Apesar do apartamento ser alto, a família é agora obrigada a conviver com o ruído do trânsito infernal lá embaixo e com o som de carros com alto falante explodindo funk, as ondas sonoras reverberam pelas torres de concreto. E, no meio da madrugada, hora em que a cidade finalmente adormece, meus amigos agora acordam com um estrondoso e estranho zumbido. Debruçados na minúscula varandinha – que prédio assim tem que ter uma – descobriram finalmente de que se trata: um vizinho de paliteiro é dono de possante Ferrari esporte, dessas que andam melhor a 300 km por hora. O dono do cobiçado símbolo de luxo, sem ter como fazer roncar o motor de dia, põe o despertador e retira a bicha da garagem, para infindáveis voltas de fórmula um. Durma-se com um barulho desses.
7 comentários:
É incrível o que a busca por status pode fazer, não? E vamos destruindo a natureza, nos sujeitando a morar mal, entupindo as cidades de automóveis. E ainda tem gente que passa o ridículo de só poder guiar uma ferrari de madrugada. Aposto que de dia ele não tem coragem, com medo dos trombadinhas....
Cláudia
Muito bom o texto, parabéns.
Realmente, durma-se com um barulho desses!
Oi, Lu, vou cochichar um segredo no seu ouvido, mas, por favor, não conte para ninguém além dos que lêem este blog, ou, mais restrito público ainda, além dos que lêem e fazem os "comments".
Eu tenho culpa (bem pequenin inha, é verdade) nessa história. Você sabia que eu fui eu dos inventores/lançadores do Belvedere, no início dos anos 70?
Explico-me, não me condenem sem antes terminar a leitura: a CBE -- Companhia Brasileira de Empreendimentos --, do ilustríssimo jurista, professor e ex-senador Darcy Bessone resolveu lançar um bairro residencial (era para ser somente casas, em terrenos enormes) nas franjas da Serra do Curral. A agência de propaganda que fez a campanha de lançamento e deu nome ao bairro foi a Know-How Propaganda, do saudoso George Norman Kutova. Eu era da área de planejamento, criação e atendimento da agência. Sabe quem eram os meus contatos lá na CBE? O Roberto Brant e o Leopoldo Bessone (depois deputado federal por vários mandatos). A be da erdade e em defesa dos empreendedores: jamais pensamos, na época, em erguer prédios ali. Era rigorosamente proibido isso, pelo código de posturas da prefeitura de BH. A putaria começou bem depois... De qualquer modo, sinto-me com uma pequena parcela de culpa por ter ajudado a viabilizar essa excrescência urbana...
Abração do
MR
17/11 - 14:06
Já eu não tenho culpa nenhuma, mas vou dar nome ao boi ("eu, heim?"). O alcaide responsável era Sérgio Ferrara (pai), de 85 a 88, salvo engano, e a mudançs legislativa que permitiu a verticalização foi já no apagar das luzes, sob alto grau de suspeição.
Agora, convenhamos, seria inevitável, até por falta de opção, espaço territorial. Atualmente já é patente que a cidade crescerá pelo chamado vetor sul, pela BR-040 em direção, saudosamente, da antiga Villa Rica. E em pouco tempo (duas ou três décadas) deverá haver plena conurbação (ôps, nada que estão pensando, não) com N. Lima, Itabirito e Matozinhos. Começa desse jeito, só gente chique, mas, não tenham dúvidas, de que brotarão, ao longo do tempo e sucessiva imcompetência, muitas e muitas favelas.
RM (ainda meio arisco)
Bem, pelo que leio, o Marcos participou do lançamento do Belvedere 1, que reúne mansões em ruas largas e arborizadas e algumas praças. Foi sem dúvida o começo, a rompida do himem, digamos assim. mas a sacanagem de verdade veio na década de 1980, como bem disse RM, que deu o nome ao boi, se bem que Sérgio Ferrara está mais pra anta ou besta apocalíptica do que pra boi...
Mas discordo de que não há outra saída. Um bom planejamento urbano, com lei de uso e ocupação do solo bem estudada, impediria a aberração dos espigões e avenidas estreitas e tanta destruição. Cês viram na última revista Encontro, um encarte - desses feitos sob encomenda, em que o "jornalista" não consegue nem fingir que trata-se de um folheto de propaganda - exaltando 9 novos empreendimentos nas montanhas de Nova Lima? É de uma construtora paulista (comandada por um desses insuportáveis mineiros que deram certo no eixo Rio-São Paulo) que vai construir imensos espigões de luxo nas montanhas. O folheto/revista é uma aberração de mau gosto: de um lado fotos das belas montanhas e flores do cerrado. Do outro, uma projeção virtual dos edifícios, todos com nomes bestas como Ville Montagne e coisas e tais. Falta apenas a legenda: "desfrute a paisagem que iremos em destruir em breve".
Claro que há outras áreas de expansão em BH, gente. Tem todo o corredor da zona Leste, as saídas para Lagoa Santa (já com a Linha Verde!) e para Sete Lagoas. E, tudo bem, também o corredor da Zona Sul, a começar por Nova Lima. Mas claro que dá para planejar essa expansão! O problema é que não se pode esperar isso de Nova Lima, que há muito tempo sobrevive mais do IPTU e da especulação imobiliária do que da extração de ouro, que aliás transformou a Serra do Curral num out-door de tão fininha...
Mais nojenta do que a "arquitetura" desses pombais de luxo é a turba de novos ricos que se degladia para morar em lugares assim.
Bem, chega, o calor tá grande demais - e há de aumentar mais ainda nos próximos anos, com menos verde.
Beijos!
O problema é que na maioria das vezes esses proprietários de bólidos esportivos ou foram ou são ou serão benfeitores de desvios de dinheiro.
Ó! Esqueci de commentar o mais importante. Num falei que tava, tô, ainda meio cabreiro?
É perfeita a expressão "paliteiro de pombais", apesar de um pouco enigmática, para descrever, quem sabe nomear, o "novo" bairro. Mas como você sabe - e como - que eu gosto mesmo é de esculhambar, sugiro duas opções: "Conjunto JK de rico" e "Malleta de grã-fino".
Agora, vá se acostumando que esse tipo de empreendimento imobiliário parece ser um grande sucesso na capital de todos os mineiros (exceto, claro, os do Triângulo, rsrs). Pipocam em Lourdes, Funcionários e Santo Agostinho, idênticos "paliteiros", com as mesmas características, porém ainda mais caros: mesmo na planta custam os olhos - e boca, nariz,
etc. - da cara.
RM
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