Sou cercada de professores universitários: amigos, conhecidos, parentes, contra-parentes e parentes do contra, pra todo lado encontro um confortavelmente instalado na universidade – e reclamando. Conheço um pós-doutor da área das ciências biológicas que desde os 55 anos faz quase nada na vida, dá uma aulinha na pós-graduação uma ou duas vezes por semana, à tarde. Os outros dias passa administrando as obras da reforma da casa ou da piscina e picando mamão – juro, é verdade! – pro cachorro. Esse reclama do desconto salarial para a aposentadoria, mas não conta que, em breve, vai receber aposentadoria especial e integral, enquanto os mortais comuns regidos pela CLT precisam gramar 35 anos para receber no máximo 10 salários, que logo serão 5. Outro casal, também de doutores, é um pouco mais ativo, quase não dá aulas mas consegue se encaixar com facilidade em seminários e congressos internacionais. Esses reconhecem que trabalham pouco, mas alegam que estudaram muito pra chegar aonde estão, como se não fosse premissa da academia exatamente estudar, e se titular. E como se os comuns profissionais de mercado não estivessem igualmente se qualificando continuamente, além da jornada de trabalho e sem os benefícios de lucrar, por causa disso, grandes saltos salariais. Aliás, os cursos de mestrado e doutorado da universidade atendem quase exclusivamente aos ex-alunos da graduação, os jovens filhos da classe média alta formados na escola particular, que conseguem viver às custas de papai e mamãe até o pós-doutorado. Os que são obrigados a sobreviver no mercado de trabalho ficam sem a chance de um título da academia por um motivo prosaico: os professores da universidade, quase todos, se recusam a dar aulas à noite – e a grande maioria trabalha de dia! Ou seja, a universidade amarga grande ociosidade no período noturno e dispensa, como alunos, profissionais de larga experiência profissional, mestres sem título. Prefere formar doutores de 30 anos sem a menor noção de mercado.
Tá, o salário está achatado, não nego, mas nem isso é um privilégio da universidade, o meu também está. Tá, os equipamentos e laboratórios estão sucateados, eu sei! E fico P da vida com isso, afinal tudo ali é patrimônio meu também, foi pago com os meus – e os seus – impostos. Tá, confesso: o que me irrita de verdade é ver essa turma com férias em dezembro, janeiro e julho, recesso de uma semana em outubro e uma fartura de feriados emendados, fora o calendário anual de greve... Tá bom, admito: isso aqui é mais que uma provocação, é pura inveja, motivada pela ralação em pleno feriado. Eu adoraria ter tanto tempo livre quanto os amigos da universidade...
14 comentários:
Ei, Luciana!
Cheguei agora de um churrasco, vim dar uma passeada e encontrei você furiosa rsrsrs
Pois vou dizer que acho que você está coberta de razão. Não sei como é a universidade aí, mas aqui os professores ganham bastante bem, obrigado. Vivem reclamando e realmente trabalham muito menos que todos os outros profissionais, sobretudo que os professores de verdade. Aqueles que ralam nas escolas também públicas, mas de primeiro e de segundo graus. E ganham salários miseráveis.
E o pior: ainda temos que aguentar alguns destes "intelectuais" mamando nas tetas dos governos. Com licença remunerada!
Um abraço,
Olá, Luciana:
Esta corretíssimo seu desabafo contra a ineficiência, a ociosidade e a baixa produtividade dos professores das universidades públicas.
A situação brasileira é vexaminosa. No ranking das 200 melhores universidades do mundo, elaborado por especialistas e que leva em conta dezenas de itens, não existe uma única brasileira. A que está mais próxima, a USP (que é estadual), aparece entre 250 e 300 -- não me lembro agora da colocação exata. No passado, a USP já esteve entre as 200, lá pela posição de número 194, se não me engano.
A UFMG e as outras federais de Minas, nem figuram no ranking.
Enquanto isso, o México, um país supostamente menos desenvolvido que o Brasil, tem a sua universidade nacional entre as 100, parece=me que lá pelo nonagésimo lugar.
O que significa isso? Que está tudo errado no ensino público, de modo especial no terceiro grau, no Brasil.
Não existe um sistema de avaliação de professores e da sua produtividade. Se existisse, provavelmente meia da metade pediria para sair, tamanha a incompetência.
A grande cagada nacional chama-se estabilidade no emprego para o funcionalismo público em geral e aposentadoria com todos os benefícios e penduricalhos como se estivessem na ativa.
Só que mexer nessa caixa de marimbondo, num (des)governo como o atual, comandado por quadrilhas petistas, é impossível. No futuro, quando elegermos um equivalente ao que o Sarkozy está fazendo na França, talvez as coisas melhorem.
Abraços do
Marcos Rocha
15/11 - 18:45
Lu,
Vc colocou como ninguém meu sentimento qdo formei da UFMG há dois anos. Não tive coragem pra tentar o mestrado por dois nobres motivos: 1.papaizito não me banca e aula à tarde é só para herdeiros de grandes fortunas; 2.me senti tão crua, pelada com a mão no bolso, q achei sensato me jogar no mercado e ver o q q dava. Quer me irritar é me botar pra papear com um mestrando recém-formado que acha que tá salvando o mundo por fazer mestrado. Sem generalizar, cada um tem seu mérito, mas a maioria que eu conheço e convivo são uns cabaços, q nunca sairam das asas dos pais, nunca pagaram uma conta e nunca chegaram duros no fim do mês. Puta-que-me-pariu, desculpe o palavreado, mas esse assunto me desce do salto! Talvez a ira venha do fato que vou trabalhar amanhã... Parabéns pelo post LU!
Exactly: e reclamando!
Lendo seu texto, veio a minha mente a imagem de parque de dinossáuros.
E os que menos fazem são os que mais reclamam, naturalmente. Reclamam, mas não pedem exoneração, reclamam, mas não largam o osso. Pelo contrário, ficam ali, como urubu na carniça, olhando pra cima de bico aberto, esperando o "feeding" da mãe, leia-se: as tetas do governo.
Lugar de professor é na sala de aula e de pesquisador, nos laboratórios. A gestão da "coisa" é vergonhosa. Os departamentos não têm meta, ninguém tem que prestar contas a ninguém.
Não esqueçamos que no Brasil, a universidade nasceu por decreto e não de modo natural. O processo brasileiro de gerar e gerir a universidade só poderia mesmo escambar para um corporativismo pedante e otras cositas más eeeee mais podres.
E nóiiis aqui, tendo que dar conta sozinhos da nossa "inveja", enquanto somos, compulsóriamente, expropriados pelo Estado.
PS. Ainda bem que existe o espaço do Verbo.
Beijão, Lu.
Cheguei atrasado mas vim. Precisei responder adequadamente a um sujeito que ameaçou de morte nosso amigo MR em seu próprio blog.
Sobre esse tema a coisa é um bocado confusa, vou pedir licença à blogueira para separar certos aspectos, do contrário temo que o debate seja pouco produtivo.
1) Salários vs "produtividade"
São vários regimes, várias gerações e várias situações financeiras da universidade convivendo ao mesmo tempo. Da mesma forma que é possível encontrar gente que, relativamente, trabalha pouco e ganha muito é fácil encontrar o extremo oposto. A coisa era muito mais homogênea uns 10, 20 anos atrás. Prá ficar no exemplo das ciências biológicas, conheço caso de debandada em massa de turma de primeira linha da UFMG para a PUC (Betim), por motivação salarial.
2) Universidade pública vs "produtividade"
Por incrível que pareça ainda é mais "produtiva", seja científica, pedagógica, social, técnica, etc., que a universidade privada. Por que? Pelo simples e exclusivo motivo de ser subsidiada com recursos públicos, ou seja, com o dinheiro do povo que não a frequenta. Isto, para quem tem olhos, é escandaloso.
3) Universidade pública vs política nacional de educação
Até hoje, pleno século XXI, gasta-se mais proporcionalmente (e, acho, até em termos absolutos) recursos públicos orçamentários com o ensino superior ao invés do ciclo básico. É piada sem graça, como diria De Gaulle.
Poderia continuar aqui o resto da noite, mas me sinto muito a vontade para responder ao menos à Maria Luiza (nossa Marilú): não vamos criar cursos de mestrado e doutorado noturnos, não. Nós precisamos é acabar com os de graduação à noite, fabriquetas de diplomas (só existem no Brasil e não são jabuticabas). Fui estudante de graduação à noite (eram mais sérios os cursos, a Economia durava 5 anos), trabalhava durante o dia; também fui mestrando de federal, com bolsa, o que me permitiu parar de trabalhar uma temporada.
Ei, nenhum doutor da universidade reclamando? Devem estar viajando no feriado prolongado...
Sejamos justos, no Ranking das 500 nmelhores do mundo, uma lista organizada pelo Institute of Higher Education da Universidade de Xangai, a USP aparece entre as 150 melhores, na frente da Universidade do México (que fica entre 151 e 200).
A de Buenos Aires aparece em seguida, entre as 200 melhores.
Depois vem a Unicamp, entre as 300.
A Federal do Rio e a Estadual de São Paulo entre as 400. E no fim da lista, entre as 500 melhores, aparece a UFMG. Essa é toda a representação da América Latina no ranking.
Os EUA ocupam 17 das 20 melhores posições -- a lista é encabeçada por Harvard, mais uma vez, seguida de Stanford.
Fui catar os números apenas a título de esclarecimento. Não muda nada a certeza de que nosso ensino público está todo errado.
Certamente há os que trabalham e temos pesquisas e pessoas brilhantes aqui no Brasil.
Mas discordo de RM num ponto: acabar com os cursos noturnos de graduação NÃO é preciso. É preciso acabar com as fabriquetas de diploma, claro! Mas por que não manter bons cursos noturnos na Universidade? E também mestrado e doutorado à noite, seria uma boa sim, por que não?
Beijos, vou trabalhar...
Gostei de tudo por aqui, a começar pela ilustração da capa...
Pensei que iam pintar algumas fotos de sacanagem, alguns textos picantes...
Mas encontrei textos ainda mais sacanas e comentários picantes. rsrsrs
Volto mais,
Carlos Eduardo
muito boa a sua picardia contra os safardanas acadêmicos... partilho de cada linha da sua opinião...adorei
bj
Oi, Carlos Eduardo, seja bem-vindo!
Oi, Ricardo, você também não mama nas tetas da universidade e morre de inveja, né? rsrsrs
Beijos aos dois!
Vou explicar à senhora, mas só se for à cervejada, mesmo que devidamente "acompanhada"... rsrs
É o seguinte: no mundo inteiro, pelo menos no civilizado, a universidade é em tempo integral, exige dedicação e raramente é compatível com outra atividade "profissional" (muito menos 8 horas diárias) dos universitários. Exatamente por isso, entre outros aspectos, são os melhores cursos e universidades do planeta.
No caso da pós strictu sensu então, nem se fala. Me lembro de ter envelhecido (em todos os sentidos) uns 20 anos nos 2 ou 3 que passei fazendo mestrado em Teoria Econômica na UFMG-FACE-CEDEPLAR, lá se vão quase vintinhos também.
Para meu orgulho, o velho CEDEPLAR tem hoje o melhor doutorado de Economia do país, desbancando FGV, USP, UNICAMP e PUC-RJ emboladas, segundo recente ranking oficial...
É difícil discordar da senhora, mas bons mestrados/doutorados noturnos são excludentes entre si: ou são bons ou são noturnos...
O mesmo vale para a graduação, apenas a face mais grotesca da indústria de diplomas de curso superior.
E aí? Vai ou não ao happy-hour?
Caríssimo, me liga mais tarde então. Nem sei ainda onde será a hora feliz... rsrsrs
Vamos ver se venço o cansaço.
Beijim
Nossa, Lu! Falou pouco mas falou tudo! Seu desabafo é o mesmo de muitos brasileiros que também estudaram, ainda estudam e também ralaram e ainda ralam, porém sem muitas das mordomias dos tais doutores.
Tem gente que reclama de barriga cheia... Como diz um amigo: "Vai ser peão pra ver o que é bão!"........
Beijoca, linda!
sem contar que montam altos esquemas para vender vagas nos cursos de mestrado e doutorado.
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