21.11.07

GUERRA PELA AUDIÊNCIA

Depois de conquistar a liderança da audiência na hora do almoço, o telejornal regional da afiliada do SBT em Minas decidiu dar uma guinada em sua linha editorial. A audiência tinha sido conquistada duramente, mas também rapidamente – e tanto por mérito da equipe que lutava pelo primeiro lugar, quanto por demérito da então emissora líder, a plim-plim, com seu esportivo que só fala de Flamengo e Corinthians e um jornal cheio de entrevistas inúteis, matérias superficiais e “vivos” sem propósito algum, a não ser o de mostrar que a emissora tem, sim, a tecnologia. Para chegar ao primeiro lugar a estratégia foi, claro, “popularizar” a pauta – tradução: privilegiar as ocorrências policiais e os temas "de comunidade", com toques de sensacionalismo. Mas, também, buscar uma linguagem diferente, em que os entrevistados falavam bem mais que os habituais 15 segundos e o repórter participava da ação, pondo literalmente o pé na lama e a mão na massa. Pois depois de conquistar a liderança, a equipe resolveu dar uma guinada em sua linha editorial, aliás não propriamente na pauta, mas na maneira de apresentar os fatos. O arquivo da própria emissora revelava a quantidade de inocentes expostos ao ridículo e a penca de suspeitos mais tarde inocentados pela justiça, mas definitivamente condenados pela comunidade e até pela família. Bastou um pequeno seminário sobre ética, comandado pelo professor e filósofo Newton Bignotto, com horas de louca discussão sobre ética, moral, valores e... audiência, para o próprio grupo formular uma solução prática: tentar se colocar no lugar dos personagens de cada reportagem para decidir se a identidade e a imagem daquelas pessoas devem ser preservadas, o velho princípio do “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você”. Foi o primeiro telejornal do país a preservar tanto o nome quanto a imagem de suspeitos de crimes, de vítimas e testemunhas ameaçadas, de qualquer pessoa em situação vexatória e, claro, de crianças e adolescentes em situação de risco, seguindo os preceitos do UNICEF. Com nome e cara na telinha, nas matérias de denúncia, apenas os julgados e condenados pela justiça e as pessoas “públicas”: políticos, autoridades e grandes empresários, aqueles que têm acesso fácil à mídia e meios para uma ampla defesa. No princípio foi o caos: ou o jornal apresentava um festival de imagens cheias de efeitos e desfocadas, ou os cinegrafistas só faziam o “take-feijoada”: pés, mãos, orelha... Encontrar um novo formato para contar uma história sem expor os protagonistas não foi tarefa fácil, mas o público, e a audiência, não reagiram mal à novidade – é bem verdade que chegaram algumas mensagens reclamando que “a emissora protege vagabundo”, mas bastavam dois minutos de conversa franca pro reclamão mudar de lado, em vez de mudar de canal. E claro que ainda hoje há uma situação meio ridícula, o jornal regional protege as pessoas da superexposição, mas meia hora depois todo mundo tem o focinho bem destacado pelo jornalismo do SBT, no mesmíssimo canal... Para a equipe mineira não importa, provou-se que a luta por audiência não precisa ser um desserviço. Pois não é que surge campanha de outro telejornal local, o da emissora do bispo, tocando exatamente nesse assunto? Diz a mensagem que “aqui a gente não esconde nada, você vai ver a cara de todos os bandidos”. Esperemos que essa nova guerra pela audiência não resulte em mais alguns exemplos entre milhares já ocorridos Brasil afora: a televisão conseguindo destruir toda uma vida em apenas 1 minuto.

6 comentários:

Anônimo disse...

Ei garota,

"Abrindo" cada vez mais o jogo, assim que eu gosto...

Tô meio sem tempo agora, mas volto depois prá comentar. Mas só vou falar bem, tirando o merchã (by Amélie) para o público de Belzonte, rsrsrss

Marcos Rocha disse...

Oi, LG:

Acho que os editores do Jornal da Alterosa estão certíssimos e devem continuar nesse caminho, mesmo que venham a perder alguns pontinhos de audiência. Se isso acontecer, será entre a audiência menos qualificada, aquelas das classes C, D e E.
Agora, usar esse argumento mau-caráter do "aqui não se esconde nada" reflete exatamente a linha editorial e o mau-caratismo do dono da rede Record, sob o qual escrevi ontem.
Abração do

MR
21/11 - 12:22

Anônimo disse...

E tem o famoso caso da Escola de Base, aqui em São Paulo, né?

Pena mesmo é que os jornais da televisão continuem dando mais importância às coisas ruins do que às coisas boas, que ainda acontecem nesse país.

Um abraço,

Cláudia

Anônimo disse...

Voltei, para um breve comentário entre duas reuniões de trabalho.

Primeiro: o interesse do post não é apenas regional, já que é "o primeiro telejornal do país a preservar tanto o nome quanto a imagem de suspeitos de crimes, de vítimas e testemunhas ameaçadas, de qualquer pessoa em situação vexatória..." Sinceros parabéns a você e ao resto do time envolvido.

Segundo: detesto e quase nunca vejo televisão, em parte pelo tratamento editorial que se dá às notícias como as objeto do post. Mas hoje abri uma exceção, em homenagem à blogueira, e fui conferir sua "dica" desinteressada, rsrs. Parabéns, mais uma vez, por apostar na inteligência e não na audiência fácil do "mondo cano". Não se surpreenda se a turma adversária vier bater à sua porta em busca de novo emprego, em tempo mais curto que imaginam.

Terceiro: genial a expressão “take-feijoada”.

Agora o comentário (uai, não tinha feito ainda não?):

O direito a ser considerado inocente até prova em contrário, é tão elementar nas democracias consolidadas, que esse debate deve parecer bizantino prá qualquer cidadão daqueles países.

Aqui ainda estamos no extremo oposto, o sujeito é considerado (e tratado como) culpado MESMO se existirem provas em contrário.

Acho muito complicado mexer com "lei de imprensa" e o escambau. Penso ser mais produtivo fazer como os americanos fazem: tomem advogado e tomem processo em riba. (Um dia a justiça brasileira vai ter que funcionar, não é possível...)

Anônimo disse...

Ei de novo LG,

Cadê a turma de jornalistas blogueiros (ou não) de BH (ou não), para comentar ou debater esse assunto que extrapola, inclusive, o âmbito dessa prestigiosa classe.

Turma "amarelada", heim?

Anônimo disse...

Ei, gente!!

O assunto, creio, não é muito atraente mesmo... Coisas de audiência. rsrsrs Aliás, tinha certeza que seriam poucos comentários.

Cláudia lembrou bem do caso da Escola de Base, um entre tantos.

Já tem quase 4 anos que a emissora protege os suspeitos e qualquer pessoa em situação ridícula, por exemplo - ainda é uma das únicas a fazer isso em todo o Brasil, pelo menos não tenho notícias.

A maioria dos canais caiu na real apenas em relação à proteção de crianças e adolocesntes, mas por medo dos processos na justiça... Se a polícia decide mostrar serviço "apresentar" um suspeito qualquer, fica a cara do sujeito em primeiro plano na telinha, no veículo de maior penetração na massa. Pretos e pobres, quase sempre. Os ricos têm um advogado para lembrar que isso é proibido por lei, né?

Concordo que só uma justiça eficiente poderia acabar com isso.

Só um caso ilustrativo,ocorrido aqui em BH: um médico "reconheceu" na frente das câmeras de TV o rapaz que roubou o carro dele, ameaçando toda a família com um revólver. Descontrolado, o médico gritava contra o rapaz, apontando o dedo: "foi ele, foi esse vagabundo" e outras cositas más. O rapaz era um mulato magro e tímido, de uns 18 ou 20 anos, encolhido no carro da polícia echoramingando "não fui eu, não fui eu, eu juro!". Umas duas semanas depois a polícia chamou a imprensa pra contar que havia prendido o "verdadeiro" bandido. Como assim, aquele moço que apareceu sendo humilhado, em todas as emissoras de TV, NÃO era o bandido? Fomos atrás dele. O rapaz havia perdido o emprego, a namorada e sido expulso de casa pelo próprio pai. Era, até o episódio, auxiliar de excritório numa empresa de telefonia. Apanhou na delegacia, da polícia e dos coleguinhas de cela, nem sei se foi abusado sexualmente, mas perdeu até a auto-estima... O médico acusador se desculpou dizendo que estava "nervoso" e que "o assaltante era muito parecido com o rapaz". OU seja, era preto e pobre...



Beijos!