Ando bastante de táxi, são dois carros para quatro pessoas em casa e como não faz o menor sentido ficar com o carro parado no horário do trabalho, os que precisam do meu carro, me levam até lá. Na volta, consigo providenciais caronas porta-a-porta pelo menos duas vezes por semana, nos outros dias, vou de táxi. E sou dos que gostam de bater papo com o taxista. Jogo uma isca, “como estava quente hoje...” ou “que trânsito pesado, heim?” – se o taxista ficar calado ou responder com um monossílabo, sigo na minha, mas em 90% das vezes o motorista aproveita a deixa e solta o verbo. Conversar com os taxistas é bem instrutivo, são eles pródigos em informações, mesmo que apenas da cultura de rádio, e capazes de discursos elaborados se o assunto é o custo de vida, as mazelas da saúde ou da educação e, sobretudo, o trânsito (claro) e a violência nas metrópoles. E são, também, atentos observadores do comportamento humano, no dia e na noite das cidades, capazes de tiradas que deixariam alguns antropólogos de queixo caído. Como faço sempre o mesmo percurso e quase sempre no mesmo horário, acabo me encontrando com alguns deles várias vezes no mês. E tenho meus preferidos. Um gosta de contar detalhes não revelados pela imprensa dos mais recentes casos policiais, e nunca explica quem são as fontes, outro monitora o aumento da mendicância nas ruas, um terceiro gosta de discutir o governo Lula, do qual não é contra nem a favor, muita antes pelo contrário. Apenas um me dá extrema preguiça, até penso em evitar o carro dele, mas é feito ímã, o danado é quase sempre o primeiro da fila no ponto e a regra do ponto diz que o primeiro da fila é quem leva o cliente, não se pode escolher, não escolho. O homem tem aquela idade indefinida entre 40 e 60, impossível saber se é um velho bem conservado, magro e seco, ou um homem mais jovem com aparência caquética. Fala muito, mas não dialoga, vai desenrolando o fio de um longo monólogo, vez por outra checando pelo retrovisor se o passageiro no banco de trás está ouvindo ou dormindo. O homem é chato que dói e qualquer assunto existe apenas para chegar à mesma ladainha: a perdição de nossa juventude. Jovens bebem demais: “a senhora não acredita que duas moças lindas, assim arrumadinhas, de boa classe, já entraram no carro cheirando vodka”, mal sabe ele que entre as bebidas a vodka é a menos denunciadora; jovens fazem sexo demais: “tem que ver que descaramento, o casal aos beijos aí no banco de trás, com língua e tudo, eram umas crianças e já devem já ter ido pra cama, com certeza”, jovens saem tarde demais: “é à meia-noite que esses malucos saem de casa, é na hora morta, até 3 da manhã, que os vagabundos ficam na rua”; jovens... Olhei, pelo retrovisor, no olho daquele homem chatíssimo, magro e seco: “mas o senhor nunca foi jovem? nunca mentiu pros pais sobre onde estava? nunca tomou um porre com os amigos?...” Ele deu uma viradinha pra trás e lascou: “eu não, dona, sou adulto desde os 10 anos”. Acredito.
2 comentários:
ahahahahaha, sei bem o que é andar de taxi, quando viajo ando muito e gosto de ir tecendo teias nas palavras de cada um.Só fico puto quando aparecem os espertinhos.
Minha prezada desconhecida (não acha curioso como as pessoas tornam-se imediatamente íntimas pela internet?),
Acho que sou quase igual a esse sujeito que você descreve, inclusive na indefinida faixa
etária a que alude. A diferença é, talvez, que, nascido velho sinto-me cada dia mais jovem... daqui a pouco retorno à chupeta, ou como diria um amigo psiquiatra, volto à fase oral (curioso também como tendem, os internautas, a se expor muito mais do seria considerado razoável). Bom, acho que também não sou tão rabujento.
Resolvi passear aqui, pela sua praia, depois de citá-la em brincadeiras que às vezes faço
no blog do meu amigo Marcos Rocha, aquele figuraça. Fiquei receoso que talvez tivesse se sentido ofendida ou coisa que valha. Vim, portanto, para me desculpar, se for o caso, mas também reiterar os elogios, sinceros, ao seu texto.
Acho que somos da mesma geração (a geração "perdida", dos anos sessenta) e fiquei consternado, comigo mesmo, ao saber que você já é avó. Veja o meu caso: meu filho mais velho (e também o mais novo) tem apenas onze anos. Quer dizer, se algum dia vier a me tornar avô (se não bater as botas antes) vou ser um vovô dos antigos, setentão... tão diferente de você...
Agora, me permita porque eu não resisto a um comentário: Pô Lu, começou cedo, heim?
RM
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